História de Pernes
Beneficiando
de uma excelente situação geográfica, disposta
entre dois montes, e com o rio Aviela aos pés,
esta freguesia é constituída pelos lugares de Chã
de Baixo, Moita, Outeiro de Fora,
Póvoa das Mós e pela antiga e histórica Vila de
Pernes, a sede da freguesia.
Rio
a que Pernes tudo deve, o Alviela foi cantado por poetas, deu o título
a condes e morgados e constituiu
durante muito tempo um dos principais recursos de abastecimento de água
a Lisboa.
A partir da década de setenta deste século, o Alviela
começou a sentir os efeitos provocados pela poluição
e há poucos anos, numa altura em que quase já não
havia esperança para estas águas, fazia pouco sentido
ler que “na sua origem as águas do Alviela são das mais
límpidas e agradáveis do País” como se escreveu
no “Dicionário de Portugal”.
No
entanto, era e continua a ser agradável ler na mesma obra que
“o rio Alviela dá à região encantadora poesia
o mesmo sucedendo com o rio Pernes ou do Porto do Centeio que naquele
vai desaguar” e “a
corredoira--cascata de água em Pernes é uma das cascatas
mais notáveis do País”.
O
Alviela ao chegar a esta povoação encontra um declive,
pelo que se despenha de uma altura de catorze metros.
Antes da cascata forma-se no rio uma acéquia, espécie
de represa que canalisa e distribui as águas às levadas,
dispostas paralelamente ao percurso do rio após a sua precipitação.
Como
se escreveu em “À Desco-berta de Portugal” a velocidade das águas
e a sua distribuição por aquedutos
e comportas permitem o accionar simultâneo de mais de duas dezenas
de moinhos que se encontram
concentrados na mesma área, constituindo um complexo molineiro
único em Portugal.
A
sua antiguidade é atestada pelos aparelhos de construção
e tecnologia utilizados”. A existência de moinhos
em Pernes, do qual existe um fabuloso exemplar manuelino, deve remontar
a um período anterior à Nacionalidade,
porque já em 1165 há notícia de que oito moinhos
são doados por D. Afonso Henriques a Gualdim Pais,
Mestre da Ordem dos Templários, prestando-se o monarca a conceder
novas mercês no caso de a dita
Ordem construir outros moinhos.
Crê-se que nessa época já haveria um aproveitamento
hidráulico como atesta o nome de acéquia dado
ao primeiro açude. Sabe-se da importância que, durante
vários séculos, tiveram os moinhos na vida quotidiana
nacional, tanto para suprir as carência da alimentação
local, como também para ocorrer às necessidades
de outras regiões.
Deste modo, o cultivo de cereais ligou-se intimamente ao labor moageiro,
no aspecto talvez mais
fundamental da vida económica.
Na
segunda metade do século XV mantinha-se o costume de os moinhos,
azenhas e pisões pertencerem
ao monarca ou à classe nobre, que da sua exploração
retiravam grandes benefícios.
É
dentro deste contexto que em 1495 um documento fala dos moinhos de Pernes,
alguns deles pertencentes
a D. Beatriz, condessa de Abrantes.
Até 1580 as notícias vão-se suceder com frequência
e através delas verifica-se que já não é
só a nobreza
a ser beneficiada, mas também pessoas do povo, como Guiomar Cerveira,
mulher do sapateiro
Simão Gonçalves, que em 1541 obteve moinhos em Pernes.
No
século XIX os moinhos de Pernes seriam praticamente destruídos,
primeiro durante as invasões francesas,
depois com as guerra liberais, ficando mesmo ligados à abdicação
de D. Miguel. Este ocupava uma posição
altamente estratégica, sediado na vila de Santarém, a
qual os liberais queriam isolar e fazer render pela fome.
Como
a mesma era abastecida pela farinha proveniente das azenhas de Pernes
e Torres Novas, bastava
uma acção militar sobre a primeira povoação,
para cortar o abastecimento.
Receando
isso, D. Miguel colocou um destacamento em Pernes, mas a 11 de Novembro
de 1833, o marechal
Saldanha atacando de surpresa, obrigou-o a fugir e de imediato ordenou
a destruíção de todos os moinhos,
enquanto as forças liberais pelejavam em Leiria, conquistada
em 15 de Janeiro de 1834, o que se repetiria,
dez dias mais tarde, em Torres Novas.
Como o general Póvoas tivesse ordenado ao marechal Caetano Sousa
Canavarro para, com 5 000 homens,
cortar a retirada de Saldanha, este, a 30 de Janeiro, infligiu-lhe uma
pesada derrota em Pernes,
cujos moinhos de água voltou a destruir.
Seria
o momento decisivo da campanha, a que se seguiria a batalha de Almoster
e a consequente fuga
de D. Miguel em direcção a Évora-Monte e mais tarde
ao exílio. Pernes desde cedo se começou a distinguir
e com um povoamento do tempo dos mouros, tem o seu nome marcado na história
da conquista de Santarém,
efectuada por D. Afonso Henriques em 1147.
Como conta Joaquim Veríssimo Serrão “ao amanhecer de sexta-feira,
14 de Março, estavam já no alto da mata
de Pernes, onde passaram o resto do dia. Foi aí que D. Afonso
Henriques teria dado parte aos
companheiros do plano da expedição”.
Em 2 de Dezembro de 1514, D. Manuel I atribui foral a Pernes, elevando
a povoação a sede de um
concelho que viria a ser extinto em 24 de Outubro de 1855.
Anteriormente o lugar estava integrado no concelho de Alcanede, mas
atendendo à evolução demonstrada
já no tempo de D. João I, o monarca determinou que o tribunal
da vila de Alcanede se deslocasse a Pernes
um dia por semana, para efeitos de julgamentos. A medida não
foi bem aceite por parte da sede do respectivo
concelho e, após uma forte onda de contestação,
começou a ser cumprida em 12 de Dezembro de 1432.
O
concelho de Pernes, inicialmente, ficou dependente do de Alcanede, pois
para os dois existia apenas
um almoxarife. Nos direitos das sisas, teve Pernes a jurisdição
não só do seu termo, como também em quatro
freguesias do concelho de Santarém: Santa Maria de Casével,
Vaqueiros, Ribeira de Pernes e metade
de S. Vicente do Paul, além da pertencente à matriz.
O termo da vila de Pernes e da sua comenda abrangia as freguesias de
Louriceira, Malhou e Arneiro das Milhariças.
Era notória a importância de Pernes, o que é atestado
pela instalação de um Cartório Notarial em 1619,
o qual funcionaria até 21 de Dezembro de 1950. Já antes,
em 1587, tinha-se dado a instituição da Santa Casa
da Misericórdia, confirmada por alvará de Filipe I, datado
de 23 de Maio de 1594.
Em
1660, o Colégio dos Jesuítas era instalado na Quinta de
S. Silvestre, após doação de Ana Silva à
Companhia de Jesus. Os Jesuítas desenvolveram aí um meritório
trabalho em prol da cultura,
distinguindo-se no ensino do latim e da matemática.
De
lá saíram importantes vultos como o Pe. António
dos Reis, conselheiro de D. João V e um dos fundadores
da Academia Real de História, o Pe. Luís Cardoso, membro
da mesma academia e notável empreendedor do
célebre “Dicionário Geográfico”, e António
Félix Mendes, professor de latim, autor de várias obras
e membro
da Academia Latina e Portuguesa.
Pelas salas de aulas do colégio ainda passou António Galvão,
filho ilegítimo do rei D. Pedro II. Os Jesuítas
fundiram o sino grande da matriz, em 1720, e em 17 de Junho de 1765,
o Papa Alexandre VII concedeu o jubileu
perpétuo à capela da Quinta de S. Silvestre. Durante a
época de ouro da freguesia foram edificados os paços do
concelho, a cadeia, a torre do relógio e templos de culto como
as capelas de Santo António e do Livramento,
para além de diversas obras de restauro e alargamento, efectuadas
na igreja matriz de Nossa Senhora da Purificação.
O
templo paroquial é muito antigo, crendo-se que o núcleo
inicial remonte a finais do século XII.
Tem uma só nave, sem arco triunfal, coberta por tecto de madeira
de três planos.
Nas paredes vê-se um silhar de azulejos do tipo enxadrezado, seiscentista,
e um outro do tipo padrão, da mesma época.
O altar-mor, mandado fazer pelo capitão-mor de Pernes, Marçal
da Silva Botelho, é de talha dourada
e ladeiam-no dois altares. São seis as capelas laterais, sendo
duas delas com retábulos de pedra,
do século XVII, e outra de arco pleno, lavrado, no estilo renascença.
Cobre esta capela uma abóbada de nervuras com barretes nos fechos.
A
Igreja da Misericórdia sofreu grandes modificações
no século XVII. Da fachada destaca-se o tímpano da porta
principal,
onde há um painel de cerâmica figurando Nossa Senhora da
Misericórdia, de grande raridade e valor artístico.
Tem uma nave forrada de dois tipos de azulejos do século XVII.
O
púlpito, da mesma época, assenta sobre pilares canelados,
coríntios. A capela-mor é coberta de abóbada cupulada,
com caixotões, e as paredes estão revestidas de azulejos
tipo tapete, seiscentistas, a duas cores.
A
Capela de Santo António apresenta, no alto da porta, a data de
1585. Possui um único altar com um retábulo
de talha dourada, do final do século XVI, contendo cinco pinturas
sobre madeira alusivas ao orago.
São quadros de ciclo maneirista escalabitano, com inegável
tendência italianizante.
Da
imaginária salienta-se uma escultura figurando o padroeiro, também
do final do mesmo século ou alvores do seguinte.
A ermida é revestida de azulejos tipo padrão, azuis e
amarelos, seiscentistas,
vendo-se outros enquadrando o altar de tipo enxadrezado.
A
Capela de Nossa Senhora do Livramento ergue-se sobre um monte em frente
da vila tendo sido fundada em 1550.
A fachada apresenta uma galilé alpendrada, do tipo regional,
com abóbada sustentada em colunas de pedra corridas.
Esta ermida foi mandada erguer por um habitante de Pernes que esteve
na Índia,
sendo tradição que de lá trouxe a imagem da padroeira.
A
importância que sempre caracterizou Pernes não se esfumou
com o tempo, preparando-se a freguesia para a
viragem do milénio, como detentora de um conjunto de equipamentos
e de infraestruturas, que a colocam num
lugar priveligiado, no contexto do concelho e da própria região.
A este facto não será alheia a tradicional indústria
de torneados de madeira que, assente em bases sólidas,
tem vindo, ao longo dos tempos, a garantir o pleno emprego, a tornar
conhecido o nome da freguesia
e a desempenhar um papel ímpar no seu desenvolvimento.
As
raízes desta indústria são encontradas no período
da industrialização iniciada pelo Marquês de Pombal.
Foi nessa época que, em 1756, foi fundada por António
Schiappa Pietra a primeira fábrica de fios de aço e verrumas.
Este italiano foi amplamente privilegiado por Pombal que o subsidiou
e lhe deu a Quinta de S. Silvestre,
confiscada aos Jesuítas, para nela instalar a sua fábrica.
E
mais uma vez, os moinhos de Pernes desempenharam um brilhante papel
ao serem aproveitados para fins industriais
e assim se assistir aos primeiros momentos de industrialização
do Ribatejo.
Ainda
de salientar que Pernes teve electricidade em 1913, antes ainda da sede
do concelho, a partir de um
aproveitamento hidroeléctrico do Alviela. Possui também
Caixa de Crédito Agrí-cola Mútuo, fundada em 1911.
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